Meu colega Mário. Quando vivia a juventude, eu parava e olhava aqueles que se dedicavam somente a uma profissão. Normalmente, quem passava dos "enta" ( quarENTA,etc) e não se preparava para o futuro, sofreria com a falta de reconhecimento e a discriminação. Somos da mesma idade e não dou chance a quem quer que seja para dizer não. Use o seu talento e se adapte ao mundo moderno que superará as desconfianças por ter mais de 60 e,melhor ainda, a experiência que nós adquirimos ainda falta na internet.
MARIO CHIMANOVITCH |
Ser velho, nesses tempos estranhos, é ser um estorvo, ser inútil, um dinossauro improvável, movimentando-se em um universo de frágeis louças. Eu sou um dinossauro e vivo trombando o grande rabo da minha longa história contra as prateleiras desse mundo asséptico. Acho que estou sobrando. Muito se fala, nos discursos eleitoreiros, das bondades que cada campanha sugere ao seu candidato, para agradar a nós, os mais velhos. Cada vez que vejo um almofadinha desses, abraçando a senhorinha sofrida e prometendo-lhe mundos e fundos, a ira sobe à cabeça, por pouco não arremesso a bengala que me ampara de encontro ao televisor.
Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que todo o mundo quer é tirar a nós, os velhos, do caminho e dos cofres da previdência. Somos aquelas criaturas que parecem servir apenas, para confrontar cada jovem pimpão com sua própria finitude e com o fato de que a única alternativa disponível à morte, por enquanto, é sobreviver como der. E é aqui que a coisa complica. Provavelmente, nunca na história se desprezou tanto a experiência e a memória dos mais velhos, como nas últimas décadas. Se você, como eu, é jornalista “das antigas”, vale menos que um PC 386, daqueles que, um dia, pareceram uma enorme inovação e hoje não passam de lixo eletrônico descartável e, como tal, ambientalmente incorreto.
Eu me sinto ambientalmente incorreto, quando tento mostrar o muito que a memória de duas guerras cobertas, alguns prêmios de imprensa e reportagens memoráveis, inutilmente me ensinou.
Desempregado, desde 2007, sobrevivendo de cada vez mais raros bicos, sinto que cheguei nos meus limites. A autoestima se esfacela e posso entender porque tantos não resistiram e acabaram sucumbindo. Hoje tratam os velhos como um estorvo, jornalistas “das antigas”, são desprezados. Para os jovens, tudo está na internet e lá não há velho chato. Estou sobrando ao álcool, às drogas ou, tanto pior, à ideia da própria morte.
Tolo e romântico que sempre fui, imaginava que essa vivência toda, mais tarde, nos permitiria ajudar os mais jovens a melhorarem o mundo imperfeito que é o campo de colheita dos bons jornalistas. Ledo engano, porém. Tudo que a história pode ensinar a um jovem, ao que parece, pode ser encontrado nos meandros da nebulosa da internet.
Com a vantagem que lá não haverá um velho chato, para dizer que noutros tempos, no meu tempo, algo era assim ou assado, por causa disto ou daquilo. A informação brotará do tablet, cristalina, fria e desinfetada pelo distanciamento tecnológico. O dedicado repórter, com o ímpeto de seus jovens anos, vai poder navegar pelos escaninhos da memória que me resta, sem precisar me aturar e à minha própria história. Acho que vou ter de procurar emprego de empacotador em caixa de supermercado. E se um dia um candidato se aproximar de mim, entre um pé de alface e uma caixa de ovos, agradecerei cada migalha que os governos me oferecerem como dádiva. Ao menos assim, talvez, eu tenha alguma utilidade.
Mario Chimanovitch, 67, é jornalista há 44 anos. Repórter investigativo, cobriu conflitos no Oriente Médio, na África e na Amazônia.
JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO – Tendências e Debates
16 de outubro de 2012.
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