Aos
sábados, à mesma hora, a fila de pobres esperava a esmola da casa comercial. Todo
final de semana a firma separava uma certa quantia para distribuir aos
pedintes.
O
encarregado – o gerente – da distribuição cumpria religiosamente uma tradição
que vinha de pai para filho.
Com
o passar dos tempos surgiu na fila um que se tornou mais simpático, por nunca
virar as costas depois que recebia a sua parte. Ficava palestrando com os empregados.
Certa vez espantou a todos ao convidar o gerente para almoçar em sua casa. O
convite foi transformado, por muitos, em brincadeira.
No
sábado seguinte novamente foi convidado, mas conseguiu desvencilhar-se do
pobre.
- Vejam
ir almoçar em casa dele!
-
Por que você não vai?
-
Sei lá que tipo de comida me dará!
Depois
de muitos incentivos resolveu ir conhecer a mansão.
Cinco
para as doze – horário combinado – conferia o número da casa. Bateu num portão
velho de madeira e segundos depois apareceu uma menina, com seus dezessete
anos. Ficou engasgado pela beleza feminina.
-
Pode entrar, o papai o espera na varanda.
Mal
sabem como andou. Sentado confortavelmente numa cadeira de descanso encontrou o
mais recente amigo. Foi apresentado à esposa e filha. Parado,estático e confuso
ficou a cada minuto que passava.
-
Sei que deve estranhar ao ver minha casa bem arrumada com minha esposa e filha.
Bem, eu consegui vencer na vida pedindo e sempre encontro alguém para dá.Juntei
as esmolas,comprei esta casa montada e hoje sou feliz no meu lar. Oh! Beba o
aperitivo para almoçarmos.
E
o almoço foi servido.
Continuou
o mendigo:
-Então
você acha que com o seu ordenado, por exemplo, eu posso conseguir tudo? Nunca
meu caro. O máximo que posso ganhar, com minha pouca cultura, é um terço do seu.
Não vê você, sendo gerente, mora pensão que aos domingos não serve refeições.
Depois
de um suculento almoço, veio boa sobremesa. Um bate papo, um pouco de música e
depois as despedidas com a promessa de voltar sempre.
A
semana pensativa. Chegou ao trabalho e comentou com os colegas e poucos foram
os que acreditaram.
Nos
domingos seguintes passou a fazer refeições em casa do “bacana”. A menina
enchia os olhos e o pai não deixou de ir aos sábados saber se ele almoçaria de
novo e também levar a esmola.
Depois
de várias visitas, criou coragem e conversou sobre a filha; ela já agradava bastante.
Demonstrou com palavras a disposição de esposá-la.Com calma, o homem de duas
caras, ouviu atentamente até o final do pedido. O rapaz estava louco de amores
pela linda moreninha. O namoro já fazia seis meses. Ela concordara e só faltava
a palavra final do velho, pois nela saberia do sim ou do não aos pés do altar.
Olhando
bem para o candidato à filha, disse que poderia casar quando possível, mas só
que deixasse o emprego e fosse com ele pedir esmolas. O rapaz relutou. A menina
estava do lado do pai. O quase ex-gerente ficou maluco. Não dormia e nem comia
direito e mal podia acreditar que a namorada concordara com o pai.
Num
belo domingo começara de novo a conversa sobre o futuro dos dois e o pobre
rapaz viu que o velho não estava brincando.
-
Bem, meu caro sogro, já que o meu emprego não dá para pagar nem...
E
as ruas ganharam mais um pedinte e a firma perdeu um gerente.
(Do livro FRAGMENTOS, de Leví Lafetá - Edição 1968)