UMA HISTÓRIA DE NATAL DE ANTIGAMENTE Harry Wiese*
A noite estava calma e silenciosa como o luar. Nenhum ruído, nenhum grito de animal silvestre, nenhuma voz humana. Nem o vento conseguia balançar as folhas das grandes árvores. As nuvens que circundavam o astro maior da noite formaram figuras fantásticas e brilhantes e devido à inércia natural teimavam em perpetuar-se. Maravilhoso!
No pequeno lago, no meio da floresta, o luar prateado refletia sua magnificência e esplendor. Se um andarilho caminhasse ali e se tivesse o privilégio de apreciar as profundezas das águas, com certeza, veria a imagem santa do Salvador refletida e perceberia a presença da mão divina palpar o mundo tal qual o afago da mão de uma criança no rosto de sua mãe.
Havia uma pequena estrada que passava rente ao lago e nela quase ninguém se locomovia. À direita, havia a mata virgem que seguia até o olhar se perder. No outro lado, apontava a Serra Mirador, paredão verde-azulado de dia e, escuro e amedrontador à noite.
Neste lugar fantástico, já chegaram os homens com seus sonhos. As casas ficavam longe uma da outra. O local no seu todo consistia de mata virgem em abundância e, aqui e ali, o início de uma jornada: a casa rústica, a rancharia, alguns animais, algumas plantações, muitos sonhos, pouco conforto, nenhum lazer e muito trabalho. Também, havia a fé e a saudade. A fé em Deus mantinha-os unidos e a saudade era um sentimento triste e bonito ao mesmo tempo. Nunca lamentaram sua sina. O trabalho fê-los homens e mulheres de mãos calejadas, músculos fortes e rostos e corpos queimados pelo sol.
Numa clareira, Heinrich construíra seu lar: uma choupana de resistência fraca, mas de estilo esmerado e de beleza bem feita. Era uma casa rústica, de planta improvisada de engenheiro sem papel.
Naquela noite calma e silenciosa como o luar, eis que daquela cabana, um afinadíssimo coro quebrou o silêncio. De início baixinho como a brisa que bate no rosto dos transeuntes solitários no caminho da beira-mata, depois mais forte até se tornarem mais nítidas todas as notas das canções até a maior distância da região. “Ein feste Burg ist unser Gott”, “Ihr Kinderlein kommet”, Es ist ein Ros’entsprungen“ eram as canções entoadas por Heinrich, sua esposa Marichen e seus três filhos: Wilhelm, Karin e Erwin.
À medida que as melodias ficaram nítidas e abrangentes, a natureza, antes calma e silenciosa como o luar, participou ativamente do espetáculo. Os galos cantaram, o gado mugiu, o vento soprou entre as árvores, os macacos pulavam de galho em galho, os sapos fizeram algazarra no lago e o latido dos cães, sempre tão temidos, não provocaram desespero nos animais silvestres. Em pouco tempo, toda a região estava tomada pela simbiose natalina, firme e convicta, poética e santa. A fé cristã conseguira penetrar no coração de um novo mundo.
Depois das canções, Heinrich iniciou o ritual da distribuição dos presentes. Presenteou Marichen com um lenço de seda e ela retribuiu com um chapéu de feltro, comprados em Hammonia, colônia alemã recém fundada. As crianças entreolharam-se. A aflição aumentara. A árvore, uma araucária, maravilhosamente enfeitada, de acordo com a tradição, era o centro do lar, o centro do mundo. A luz das velas de cera de abelhas silvestres, fabricada por eles mesmos, era igual à dos natais na Alemanha. As faces das crianças pareciam pálidas em função do reflexo da luz. Quem as observasse, ali, tão compenetradas com o pensamento no menino Jesus, poderia concluir que se tratasse de anjos em plena selva de Hammonia.
─ Erwin ─ disse o pai ─ este presente o Weihnachstmann trouxe para ti.
Erwin era o caçula e tinha três anos apenas. O presente era muito mais belo que esperava. Uma junta de bois, espetacularmente esculpida em madeira e presa em quatro rodas para que a pudesse puxar pela casa e pelo pequeno jardim, que em novembro já começara a florir, estava em suas mãos. Heinrich, o pai, emocionou-se por causa da alegria do menino e por causa de sua pequena obra de arte, esculpida, à noite, à luz de lamparinas de querosene, depois que as crianças foram dormir.
─ Karin ─ disse a mãe ─ abre o pacote! É teu!
Karin era uma menina de olhos azuis e cabelos cumpridos. Em outubro havia completado sete anos de idade. O presente era lindo como a menina. Uma boneca de pano, caprichosamente feita, estava em seus braços. Marichen a fez nas horas de folga, domingos à tarde, quando se trancava no quarto, depois das árduas tarefas da semana.
─ Vem cá Wilhelm ─ voltou a pedir Heinrich, referindo-se ao filho mais velho ─ ainda és um menino, mas já pensas como gente grande. Pega o teu presente!
O rosto do menino ficou radiante. Não imagina que aquele presente viesse tão cedo. Antes de abrir o embrulho, abraçou o pai, a mãe, o irmão e a irmã.
Que desejo pode ter um menino de dez anos em plena mata virgem? O que pôde provocar tanta alegria? Mas o que é o Natal senão alegria, fé, amor e união? E, realmente, tudo era alegria, na casa, fora dela, na mata, no lago e no céu com a Lua amando o mundo.
Mais tarde, quando Marichen e as crianças já estavam dormindo, pai e filho, como dois adultos, sentados na pequena varanda conversavam animadamente sobre o futuro. Sim, como dois adultos, porque Wilhelm acabara de adquirir sua maioridade já aos dez anos, de acordo com a lei da selva. Agora era um homem com sonhos e ferramentas.
─ Papai, depois das festas vou derrubar o mato rente ao pasto dos animais e plantar a minha roça!
Acariciou o machado longamente e na condição de menino-homem, pensou que o Natal é a melhor coisa do mundo!
* Harry Wiese reside em Ibirama - SC. É autor de vários livros, dentre eles A sétima caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de Letras.