Recordando

terça-feira, 23 de julho de 2013

TUDO É POSSÍVEL.



Aos sábados, à mesma hora, a fila de pobres esperava a esmola da casa comercial. Todo final de semana a firma separava uma certa quantia para distribuir aos pedintes.
O encarregado – o gerente – da distribuição cumpria religiosamente uma tradição que vinha de pai para filho.
Com o passar dos tempos surgiu na fila um que se tornou mais simpático, por nunca virar as costas depois que recebia a sua parte. Ficava palestrando com os empregados. Certa vez espantou a todos ao convidar o gerente para almoçar em sua casa. O convite foi transformado, por muitos, em brincadeira.
No sábado seguinte novamente foi convidado, mas conseguiu desvencilhar-se do pobre.
- Vejam ir almoçar em casa dele!
- Por que você não vai?
- Sei lá que tipo de comida me dará!
Depois de muitos incentivos resolveu ir conhecer a mansão.
Cinco para as doze – horário combinado – conferia o número da casa. Bateu num portão velho de madeira e segundos depois apareceu uma menina, com seus dezessete anos. Ficou engasgado pela beleza feminina.
- Pode entrar, o papai o espera na varanda.
Mal sabem como andou. Sentado confortavelmente numa cadeira de descanso encontrou o mais recente amigo. Foi apresentado à esposa e filha. Parado,estático e confuso ficou a cada minuto que passava.
- Sei que deve estranhar ao ver minha casa bem arrumada com minha esposa e filha. Bem, eu consegui vencer na vida pedindo e sempre encontro alguém para dá.Juntei as esmolas,comprei esta casa montada e hoje sou feliz no meu lar. Oh! Beba o aperitivo para almoçarmos.
E o almoço foi servido.
Continuou o mendigo:
-Então você acha que com o seu ordenado, por exemplo, eu posso conseguir tudo? Nunca meu caro. O máximo que posso ganhar, com minha pouca cultura, é um terço do seu. Não vê você, sendo gerente, mora pensão que aos domingos não serve refeições.
Depois de um suculento almoço, veio boa sobremesa. Um bate papo, um pouco de música e depois as despedidas com a promessa de voltar sempre.
A semana pensativa. Chegou ao trabalho e comentou com os colegas e poucos foram os que acreditaram.
Nos domingos seguintes passou a fazer refeições em casa do “bacana”. A menina enchia os olhos e o pai não deixou de ir aos sábados saber se ele almoçaria de novo e também levar a esmola.
Depois de várias visitas, criou coragem e conversou sobre a filha; ela já agradava bastante. Demonstrou com palavras a disposição de esposá-la.Com calma, o homem de duas caras, ouviu atentamente até o final do pedido. O rapaz estava louco de amores pela linda moreninha. O namoro já fazia seis meses. Ela concordara e só faltava a palavra final do velho, pois nela saberia do sim ou do não aos pés do altar.
Olhando bem para o candidato à filha, disse que poderia casar quando possível, mas só que deixasse o emprego e fosse com ele pedir esmolas. O rapaz relutou. A menina estava do lado do pai. O quase ex-gerente ficou maluco. Não dormia e nem comia direito e mal podia acreditar que a namorada concordara com o pai.
Num belo domingo começara de novo a conversa sobre o futuro dos dois e o pobre rapaz viu que o velho não estava brincando.
- Bem, meu caro sogro, já que o meu emprego não dá para pagar nem...


E as ruas ganharam mais um pedinte e a firma perdeu um gerente.

(Do livro FRAGMENTOS, de Leví Lafetá - Edição 1968)

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